08/12/2007

Espeliotemas

Tomo Primeiro
II


Chegando ao Gárgula não encontrou Alencar. Sabia que o telefonema do amigo não era pra ser levado a sério. O patife sempre furava. Sentou-se pediu uma água tônica com gim e começou a se distrair imaginando como seria a vida de quem passava pela porta da espelunca.

Fabiano é um rapaz de uma beleza obtusa. Nele nada é óbvio ou necessariamente feio ou bonito. Se fosse feito por um arquiteto, seria uma dessas casas que estranhamente são bonitas, embora nada pareça combinar. Estudar numa universidade pública e morar só numa cidade grande foi a sua maior conquista até então. Consegue isso graças à grana que os pais mandam mensalmente. O salário da drogaria não garantiria tal feito. Quando veio pra metrópole, dividiu o aluguel com Afonso, o que ajudou a se estabilizar. Quando o amigo saiu, preferiu ficar só. O preço da liberdade é ter menos grana pra gandaia.

Já passava das onze da noite quando, indo ao banheiro, Fabiano cruzou o olhar com um cara que cismou conhecer de algum lugar. A reciprocidade pareceu real pela forma como o rapaz, magro, alto e de ossos proeminentes o encarou. Sempre pensou que deve ter uma portaria da vigilância sanitária que proíbe a reposição do papel toalha em banheiros de bar. Impressionante como os estabelecimentos a cumprem criteriosamente. Foi quando a memória funcionou e o susto foi grande. Era Pedro, sem a menor dúvida. Apressado saiu do banheiro e o moço já não estava. Foi ao cara do balcão e perguntou. Tinha ido embora. Quis especular, mas não teve coragem. Pedro o reconhecera e não quis falar com ele. O cara tinha desviado do encontro depois de tanto tempo.

Encontrou um monte de gente, papeou despretensiosamente. O pensamento em Pedro. Estudou como um moço em um curso de inglês por um curto período. Os dois se falaram pouco, mas sempre se encontravam, tinham o mesmo duvidoso gosto por pardieiros. O que será que o cara está fazendo da vida? Sempre que ele e Pedro estavam no mesmo bar, Fabiano tinha uma reconfortante sensação de segurança. Nunca entendera aquilo. Parecia haver certo reconhecimento mútuo, um pacto velado entre os dois. Mal se falavam, mas se reconheciam. Uma amizade muda.

Num beijo discreto no pescoço e com um cochicho risonho, Fabiano convence a presa a ir ao seu apartamento. Hora do abate.

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