Meus iguais,
Evoé!
Revirando arquivos encontrei agumas preciosidades (modéstia às favas) do "The Xinguara's Telegraph", jornalzinho que escrevia contando minhas peripécias no Pará. Segue texto da edição 00 de agosto de 2003
Expresso da agonia
A viagem BH – Xinguara é um evento extremamente difícil de ser descrito. Mais de trinta horas dentro do ônibus transformam o termo inusitado insuficiente para narrar a experiência. Não falo das belezas do cerrado ou das cidades que se sucedem num encantamento constante de vida brejeira. O espetáculo dantesco é o que se dá dentro do veículo.
Meus queridos amigos, leitores de tão prosaico tablóide, já ouviram o relato do gringo que passou a outra viagem toda (Xinguara – BH) conversando putarias com uma indígena. Sabe lá deus o que foi feito dessa nativa em Belo! Deve estar servindo de escrava sexual para o tal pervertido americano. Vou tentar descrever as peripécias pelas quais passei nessa vinda para o Pará.
Vocês não acreditam na quantidade absurda de crianças a bordo. E como gritam, pirraçam e choram, principalmente durante a madrugada. Fico por entender como essas criaturas desalmadas, que ainda tem o descaramento de se auto-intitularem mães, submetem esses monstrinhos a tão torturante e extenuante viagem. Parece que os diabinhos combinam de satisfazerem os seus intestinos em intervalos regulares e alternados de forma que o que o ônibus permaneça constantemente com cheiro de fralda descartável usada. Aproveito para deixar o meu protesto contra o infeliz que teve a idéia absurda de colocar ar condicionado em ônibus de viagem. Chega a me irritar estar de blusa de frio e cobertor vendo pelo vidro as pessoas de camiseta, em plena Palmas!
E como berram e correm pelo corredor esses terroristazinhos! Acredito que atendendo ao pedido das famigeradas mães, o motorista exibiu: “Xuxa só para baixinhos”. Realmente eles pararam de correr. Então eles apenas pulavam e gritavam tentando imitar as dancinhas. “Três patinhos foram passear...”
Um desses pequeninos, que responde pelo nome de Lucas, estava sentado duas fileiras à minha frente. Em determinado momento da longa viagem, ele ficou de pé no banco e voltou-se para trás, de forma que eu pude ver o seu sorris sapeca. Ensaiei um sorriso com o mínimo de simpatia que me restava, tentando não me contaminar pelo mau humor indiscriminadamente estabelecido no ônibus. Antes de eu terminar de esboçar o sorriso, Lucas gritou:
_ Qué? Pega!
Eu nem havia entendido o que ele havia dito quando fui surpreendido por uma bala na cara, que quase me partiu os óculos. E o pior de tudo é que a bala estava desembrulhada e caiu pelo assoalho. Não pude nem aproveitá-la. A cretina da mãe nem percebeu que o seu aprendiz de guerrilheiro estava atirando balas de morango nas pessoas
As comidas das paradas contribuem, e muito, com a disseminação do mau humor no balaio. Tenho certeza de que é feito um estudo rigoroso, minucioso e caro para escolher as piores bibocas, onde são servidas as mais terríveis comidas, para definir as paradas. Em presídios devem servir coisa melhor.
Além das comédias ridículas da MGM exibidas a bordo, a trilha sonora imposta pelo motorista (Daniel e Zezé de Camargo & Luciano), e do fedor dos milhões de pacotes de salgadinhos abertos ao mesmo tempo após as pardas, não faço idéia de como isso acontece, mas fato é que tem gente que consegue cagar no banheiro do ônibus. Às vezes tento imaginar o infeliz tentando se equilibrar, com as calças arriadas e os joelhos dobrados, e o busão a 90 km/h. recuso-me a acreditar que alguém assente-se naquilo.
Em momento algum quero desencorajá-los a fazer tal viagem. Esse relato foi escrito dentro do bus, após 32 horas de viagem. Desculpem-me o mau humor e ter dedicado todo o texto às inúmeras situações penosas, com destaque para inconveniências escatológicas. Basta a visão do Rio Araguaia para compensar todas as mazelas da empreitada.