27/07/2011

"Devo explicar-me. De inicio, o amor pela Geografia me veio pelos caminhos da poesia da imensa emoção poética que sobe da nossa terra e das suas belezas: dos campos, das matas, dos rios, das montanhas; capões e chapadões, alturas e planuras, ipuêiras e ca...poeiras, caatingas e restingas, montes e horizontes; do grande corpo, eterno, do Brasil.

Tinha que procurar a Geografia, pois. Porque, «para mais amar e servir o Brasil, mistér se faz melhor conhecê-lo»; já que, mesmo para o embevecimento do puro contemplativo, pouco a pouco se impõe a necessidade de uma disciplina científica. Desarmado da luz reveladora dos conhecimentos geográficos, e provido tão só da sua capacidade receptiva para a beleza, o artista vê a natureza aprisionada no campo punctiforme do momento presente.

Falta-lhe saber da grande vida, evolvente, do conjunto. Escapa-lhe a majestosa magia dos movimentos milenários: o alargamento progressivo dos vales, e a suavização dos relêvos; o rejuvenescimento dos rios, que se aprofundam; na quadra das cheias, o enganoso fluir dos falsos-braços, que são abandonados meândros; a rapina voraz e fatal dos rios que capturam outros rios, de outras bacias; o minucioso registro dos ciclos de erosão, gravado nas escarpas; as estradas dos ventos, pelos vales, se esgueirando nas gargantas das serranias; os pseudópodos da caatinga, invadindo, pouco a pouco, os «campos gerais», onde se destrói o arenito e onde vão morrendo, silentes, os buritís; e tudo o mais, enfim, que representa, numa câmera lentíssima, o estremunhar da paisagem, pelos séculos.”

(João Guimarães Rosa)

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