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03/02/2008

Espeliotemas

Epílogo


- André te ligou hoje de manhã. Disse a ele que assim que você acordasse ligaria de volta. Acho que é pra ver se vamos ao sítio.
- Minha cabeça está estourando, Pedro. Você viu aqueles comprimidos que eu trouxe da farmácia ontem? Acho que não sobreviverei até a Semana Santa, nem pra ir ao sítio, nem pra nada.
- Acho bom ligarmos pra ele depois. Dar uma resposta definitiva. Eu prefiro ficar quieto. Seus amigos são meio xarope.
- Comprou sorvete?
- Não tinha. Vou tomar um banho. Quando sair, quero ver esse quarto arejado e você de pé, rapazinho.
- Que bom! Mamãe está de volta.

Quando Pedro saiu do banho Fabiano já tinha ganhado a rua. Foi a última vez que se viram. Soube por um cara que freqüenta o Gárgula que ele voltou pra casa dos pais no interior. Teve tentação de fazer uma busca em hospitais psiquiátricos. Desistiu.

Sempre que Pedro passa diante da farmácia pensa que realmente era o melhor a ser feito. Cidade grande, emprego formal e drogas sintéticas não dão futuro pra ninguém.

24/01/2008

Espeliotemas

Tomo Terceiro
I

08:09; Você está atrasado! 09:43; absorvente com gel, dipirona, Vende só uma cartela? Tilenol, chocolate dietético, sal de frutas, Na loja da esquina, descongestionante nasal, salgadinho, cartão telefônico. 12:10 Pastel de camarão e suco de caju. Fabiano pensou que deus, caso ele exista, deveria ser minimamente generoso e lhe garantir uma morte prematura e indolor. Resolveu procurar Pedro depois do expediente.

13:00; pastilhas dietéticas, ataduras, sabonete de glicerina, lenços de papel, prosac, fixador de tintura. 17:58 Fabiano já atravessa a rua. Ainda não sabia se levaria adiante a idéia de ligar para Pedro. Decisões deveriam ser vendidas em drágeas, como tantas outras coisas complicadas. E se não fossem legalizadas ele poderia até traficá-las.

Stones no último volume. No banho percebeu o quanto o estômago doía. Preciso procurar um médico, ir ao dentista, lavar aquele tênis vermelho, ligar para mãe. A única coisa que poderia fazer com dignidade naquele momento era ensaboar com gosto a cabeça. Assim o fez.

Quando saiu do banho viu que o telefone havia tocado muitas vezes e ele não ouvira. Era Pedro.

15/01/2008

Espeliotemas

Tomo Segundo
IV


Fabiano recusou o convite de Pedro de assistirem ao show de uma banda juntos. Preferiu ir ao Gárgula: mais do mesmo. Sentiu-se tentado a ligar para Alencar, mas em seguida desistiu do intento. O cretino deve estar ocupado com suas escolhas precisas e irritantes. Fabiano detestava o jeito metódico e analítico do amigo. As pessoas com as quais convivemos são boas pra nos mostrar do que realmente não gostamos. Em nós e nelas.

A música estava boa, a cerveja estava gelada e o povo estava bacana. Fabiano só pensava em como não enlouquecer. Agora estava claro: estava em franco processo de enlouquecimento. Não havia como fugir de realidade tão alarmante. Sempre soube de gente que usou substâncias e que nunca voltaram a ser o que eram. Seria esse o seu caso? Decididamente não buscaria terapia. Psicólogos, pedreiros e pessoas que dão manutenção em computador não são de confiança. Precisava era de uma nova paixão. Fulminante, desesperada. Uma daquelas que tiram o fôlego e te fazem cometer verdadeiras loucuras.

Puta que pariu! Acordou no dia seguinte com a cabeça estourando. Ninguém ao lado na cama. Menos mal. Depois de recobrar minimamente a condição humana, Fabiano resolve comer algo. 17:20 – Bar da esquina: Coca Cola com pastel de queijo. O estômago, por certo, não resistirá até os quarenta. Pelo menos não inteiro. Passa-lhe pela cabeça retornar à cidade natal, passar uns dias com a família, purificar um pouco. Roça: nada de poluição, boteco e remedinhos. A típica vontade de retorno ao colo materno...

02/01/2008

Espeliotemas

Tomo Segundo
III

Você exagerou na bebida e nas drogas, disse o médico antes de liberá-lo. Fabiano teve raiva da cara de pai consciencioso do infeliz. Indelicadezas, bem colocadas e sinceras, são infinitamente melhores do que um ar superior de responsabilidade e pseudo-cortesia burocrática. Tudo que ele queria era voltar pra vidinha medíocre da farmácia. Será que eles o aceitariam de volta? Faltou dois dias sem a mínima satisfação. Estava confuso. O médico dissera que havia ficado 36 horas desacordado. A dificuldade em lembrar o que aconteceu é o que mais o preocupa. E se ele tiver feito sua inscrição para a Legião Estrangeira ou feito um pacto de sangue e morte com aquele tal de Pedro? Que figura esquisita! O cara insiste em ser gentil com ele. Algo, definitivamente está errado.

Passa em casa para um banho. O estômago ainda dói. Nada na geladeira. Dois pasteis e chá gelado na padaria da esquina. Escritório do Genival. O cara gerencia uma franquia de drogaria e tem esse nome. Fabiano espera que esse não seja um modelo de felicidade masculina no mundo moderno. O gerente sempre foi honesto e justo com os funcionários, todavia sempre enérgico. Não poupou palavras com nosso homem. Era sua última chance.

11:15. Dipirona; tarja vermelha; engov; sal de frutas; Tem em cápsulas? Descarregar absorventes e fraldas. 12:00. Não tem hora de almoço: chegou tarde demais. 15:18. Muito cansaço; Telefonema da mãe; dor nas pernas; Viagra; barras de cereal; 250 ml; enxaguante bucal; fio dental; retardo mental... 18:30. Finalmente a liberdade temporária.

Confere se o celular está no bolso e vai direto pra casa. Tudo que precisa é descansar e não pensar em nada. Janis, exasperada, no som. Deitado na cama confere os últimos registros do celular. Alguém o havia chamado reiteradas vezes. Não conhecia o número.
- Alô.
- Quem fala?
- O dono do aparelho pro qual você ligou.
- Desculpe você me ligou e não tenho seu número gravado...
- É você, Fabiano? Aqui é o Pedro.
*[Inferno!!! O que esse cara quer? O que eu quero???]*

24/12/2007

Espeliotemas

Tomo Segundo
II


Uma forte dor no estômago. Fome, uma intensa fome. Preciso acordar. Há sons distantes e indefiníveis. Sensação horrível. Devo estar morto. É isso, eu morri. A morte não é pior do que a ressaca. É, realmente, algo melhor. Uma certeza: melhor morrer no dia seguinte do que passar pela ressaca. Agora Fabiano está acordando de verdade. Há um cheiro estranho. Está numa cama. Estou num hospital? Onde está meu celular? Minha mãe deve ter cortado o cabelo repicado de novo. Sempre que ela faz isso, coisas estranhas me acontecem... Enquanto nosso herói passa por tais devaneios é fim de tarde. No hospital municipal onde está o movimento é grande. Final de semana agitado.

Entra no quarto uma enfermeira. Fabiano tenta falar com ela e não consegue. Os pensamentos confusos. Deve estar voltando de um processo de sedação. A mulher, com uma estranha cara de tarada gesticula e anda pelo quarto como se fosse uma comissária de bordo de um avião que atravessa o Atlântico, com toda a pompa e circunstancia devidas. Ela percebe que Fabiano se agita: “Fique calmo rapaz. Você está bem agora. Você está acordando, o processo é lento”. Obedeça o sinal de não fumar e manter os cintos atados. Em breve começaremos o serviço de bordo, faltou acrescentar.

Não se consegue ver nada pela janela do quarto, é uma janela que dá para o lado interno do complexo hospitalar. Ele vê outras janelas. Janelas que se vêem. Alguém grita insistentemente. Parece sentir muita dor. Ainda bem que consigo suportar as minhas sem gritar. Talvez devesse gritar um pouco. E se eu não conseguir? Será que estou em coma? Melhor não tentar. Essa mulher pode me atacar com um suporte de soro. Onde está a porra do meu celular?

16/12/2007

Espeliotemas

Tomo Segundo
I


Demorou uma eternidade a passagem do coletivo. Fabiano era um poço de ansiedade, ainda mais quando se tratava de algo que tanto instigava sua curiosidade. Quando, finalmente, iria continuar a travessia da rua, vê Pedro caminhando em direção a um discreto café no lado oposto. Decidiu ir falar com ele. Uma sensação absurda: como em “Clube da Luta”, Pedro era ele mesmo. Indubitavelmente estava enlouquecendo, pensou. Todos os acontecimentos comprovam isso. A vida tacanha, o emprego medíocre na farmácia, o curso que de chato caminhava pro insuportável. E essa assombração? O que esse cara está querendo? Será que ele me segue mesmo ou é mais uma loucura minha? Preciso parar de tomar esses remedinhos...

No café Pedro o recebeu com o mesmo sorriso enigmático. A própria esfinge do terceiro milênio tomando um descafeinado com creme. Cumprimentos descompromissados. Fabiano foi tomado de uma vergonha enorme. Está realmente enlouquecendo. Pedro foi tão cortês quanto qualquer outra pessoa que há muito não se via. Conversaram frugalidades e, obviamente, Fabiano não teve coragem de dizer ao interlocutor que tinha certeza absoluta que ele o vinha seguindo nas últimas semanas.

Foram uns trinta minutos de um agradável papo. Já de volta em casa, Fabiano está arrumando um pouco as coisas. Há muitos livros espalhados, copos sujos e uma carta de sua mãe no tapete. O moço se pergunta se não seria melhor buscar tratamento. Essa confusão em sua cabeça está ficando séria. E se ele começasse a ouvir vozes? E, pior, se ele passar a fazer o que elas mandarem?

11/12/2007

Espeliotemas

Tomo Primeiro
III

12:16. Puta que pariu! É sempre a primeira coisa que vem à mente de Fabiano nas ressaqueadas manhãs. A presa saiu cedo. Deixou um bilhete cretino e não levou a prataria da casa. Menos mal. Pior do que a ressaca seria ter que parecer simpático ou, pior ainda, interessado em levar o flerte a um relacionamento maduro e duradouro. Nada na geladeira além de duas peras e uma fatia de pizza. Tomou bastante água e voltou pra cama. Vômito. Nunca mais eu bebo. Puta que pariu! Vômito. Depois das quatro da tarde e de ter dormido um pouco mais, começou a voltar à forma/condição humana. Toca o telefone. Alguém perguntando por Edilene. Nunca ouvira tal nome.

Às seis da tarde saiu pra almoçar. Sanduíche na esquina. Muita Coca Cola pra hidratar. Era comum Fabiano ter a sensação de que era seguido. Sempre achou que era uma neurose absurda, sobretudo quando imaginava que o perseguidor era Kafka. Poderia ser pior, consolava-se. Poderia ser Barbra Streisand montada numa zebra, usando sombreiro e enormes óculos escuros espelhados.

Voltando da lanchonete, Fabiano resolve dar uma volta e, depois de uns quarteirões, assusta-se com Pedro, parado na esquina e com aquele mesmo olhar (acolhedor e cúmplice) de sempre. Será que ele estava seguindo-o? Foi em direção ao rapaz. Ouve-se ao longe a sirene de uma ambulância na tarde que se desmantela em noite quente. Decidido, Fabiano caminha em direção a Pedro que lhe abre um sorriso. O balconista é obrigado a interromper o passo antes de atravessar o asfalto para que um ônibus passe.

08/12/2007

Espeliotemas

Tomo Primeiro
II


Chegando ao Gárgula não encontrou Alencar. Sabia que o telefonema do amigo não era pra ser levado a sério. O patife sempre furava. Sentou-se pediu uma água tônica com gim e começou a se distrair imaginando como seria a vida de quem passava pela porta da espelunca.

Fabiano é um rapaz de uma beleza obtusa. Nele nada é óbvio ou necessariamente feio ou bonito. Se fosse feito por um arquiteto, seria uma dessas casas que estranhamente são bonitas, embora nada pareça combinar. Estudar numa universidade pública e morar só numa cidade grande foi a sua maior conquista até então. Consegue isso graças à grana que os pais mandam mensalmente. O salário da drogaria não garantiria tal feito. Quando veio pra metrópole, dividiu o aluguel com Afonso, o que ajudou a se estabilizar. Quando o amigo saiu, preferiu ficar só. O preço da liberdade é ter menos grana pra gandaia.

Já passava das onze da noite quando, indo ao banheiro, Fabiano cruzou o olhar com um cara que cismou conhecer de algum lugar. A reciprocidade pareceu real pela forma como o rapaz, magro, alto e de ossos proeminentes o encarou. Sempre pensou que deve ter uma portaria da vigilância sanitária que proíbe a reposição do papel toalha em banheiros de bar. Impressionante como os estabelecimentos a cumprem criteriosamente. Foi quando a memória funcionou e o susto foi grande. Era Pedro, sem a menor dúvida. Apressado saiu do banheiro e o moço já não estava. Foi ao cara do balcão e perguntou. Tinha ido embora. Quis especular, mas não teve coragem. Pedro o reconhecera e não quis falar com ele. O cara tinha desviado do encontro depois de tanto tempo.

Encontrou um monte de gente, papeou despretensiosamente. O pensamento em Pedro. Estudou como um moço em um curso de inglês por um curto período. Os dois se falaram pouco, mas sempre se encontravam, tinham o mesmo duvidoso gosto por pardieiros. O que será que o cara está fazendo da vida? Sempre que ele e Pedro estavam no mesmo bar, Fabiano tinha uma reconfortante sensação de segurança. Nunca entendera aquilo. Parecia haver certo reconhecimento mútuo, um pacto velado entre os dois. Mal se falavam, mas se reconheciam. Uma amizade muda.

Num beijo discreto no pescoço e com um cochicho risonho, Fabiano convence a presa a ir ao seu apartamento. Hora do abate.

06/12/2007

Espeliotemas

Tomo Primeiro
I

Fabiano conferiu pela última vez se tinha trancado todas as portas e janelas. Não poderia perder o metrô das 07:20 se queria chegar a tempo no trabalho. O melhor de morar sozinho é que tudo que você deixou de manhã está no mesmo lugar quando volta. O pior também. Ganhou a rua e passou rapidamente pelo segurança da estação. Seu apartamento não ficava longe dela. O dia morno e iluminado o fez pensar que poderia fazer um monte de coisas boas para aproveitá-lo em vez de dedicar quase dez horas ao enfadonho trabalho de atender no balcão de uma farmácia. O alento do moço era ser sexta-feira e estar de férias na faculdade. Sexta é o dia da tradicional saída com possibilidade de esticar em algum lugar com música legal. Importava pouco o fato dele acordar no sábado, perto do meio dia, como se tivesse passado a noite no intestino de um camelo. Fabiano já chegava perto do profissionalismo no uso de substâncias que alteram o estado de consciência. Fato é, que já não eram poucas as vezes em que prestava consultoria aos amigos sobre os melhores fornecedores, a dosagem ideal e os efeitos colaterais.

09:15. Aspirina; tarja preta; curativo; absorvente; troca de escova de dentes; acabou a ração pra filhotes; telefonema pra fornecedor. 10:45. Dor nas costas; quero com abas; aas adulto; Fluoxetina; Dramim, cartão telefônico; desodorante creme sem cheiro. 12:00. Dois pasteis de camarão e um refresco de pêssego; cigarro de palha picado; chiclete de caixinha. 13:05. Esporro pelo atraso; mais remédios, mais tarjas, sem abas, genéricos e afins... Fabiano só pensa em chegar à liberdade vespertina e no e-mail que recebeu de Afonso. O cara é seu amigo de infância e tem três meses que vive na Espanha. Poucos telefonemas e a internete mantêm os dois em contato. Sempre Afonso estimula nosso herói a largar tudo e partir para o Velho Continente. Fabiano, já faz tempo, vem considerando a idéia. Ainda mais sendo “tudo” tão pouco. O que o deixa em dúvida é abandonar o curso de administração no quinto período. Outra verdade é que ele não é de se arriscar muito. O rapaz sempre foi comedido quando se trata de atitudes que alteram significativamente o rumo das coisas. Sua amiga Bete diz que isso tem relação com o signo.

Finalmente termina o dia e Fabiano passa em casa para tomar um banho antes de ir para o Gárgula. Bar de música questionável, comida suspeita, mas com preços baixos e com presenças interessantes todas as noites. Estava de novo no metrô, rumo ao bar, quando recebe o telefonema de Alencar, amigo que ele não vê desde muito.