João Guimarães Rosa
Para que todos tenham leitura em abundância e, como quem mel come, se enjoem e que as formigas não os alcancem...
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14/08/2010
22/02/2010
“Desde minha fuga, era calando minha revolta (tinha contundência o meu silêncio! Tinha textura a minha raiva!) que eu, a cada passo, me distanciava lá da fazenda, e se acaso distraído eu perguntasse ‘para onde estamos indo?’ – não importava que eu, erguendo os olhos, alcançasse paisagens muito novas, quem sabe menos ásperas, não importava que eu, caminhando, me conduzisse para regiões cada vez mais afastadas, pois haveria de ouvir claramente de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso rigoroso, desprovido de qualquer dúvida: ‘estamos indo sempre para casa’”.
Raudan Nassar in: Lavoura Arcaica
10/02/2010
03/02/2010
“Um dia irmão, comemoraremos a vitória tão esperada. Os que jogaram, os que só torceram na arquibancada. E bêbados de nós mesmos, a mesa coberta com os destroços do combate. Difícil dizer o que é sangue, e o que é molho de tomate. Brindaremos as cadeiras vazias dos que lá não estão. Os fantasmas de uma geração. Um que morreu no exílio e foi devorado por vermes estrangeiros. Um que enlouqueceu um pouco, e tem delírios passageiros. Um que ia mudar o mundo e se mudou. Um que era o melhor de nós e vacilou. Nossa Rosa Luxemburgo que abriu uma botique. Nosso quase Che Guevara, que hoje vive de trambique. Estaremos, você e eu, irmão, e os balões circundarão nossas cabeças, como velhos remorsos. E os garçons olharão para nós, e desejarão a nossa morte. Danem-se as nossas trapalhadas, estivemos nas barricadas. Não temos placas na rua, como heróis da resistência, mas, temos consciência de que os bárbaros não passaram..
Então você dirá:
- Como heróis ? Como não passaram, meu querido não te falaram? Os bárbaros ganharam.”
Então você dirá:
- Como heróis ? Como não passaram, meu querido não te falaram? Os bárbaros ganharam.”
Luiz Fernando Veríssimo. In: Comédia da vida privada
25/07/2009
Um pouco de Saramago
“Serei mesmo um erro, perguntou-se, e, supondo que efetivamente o sou, que significado, que conseqüências para um ser humano terá saber-se errado. Correu-lhe pela espinha uma rápida sensação de medo e pensou que há coisas que é preferível deixá-las como estão e ser como são, porque caso contrário há o perigo de que os outros percebam, e, o que seria pior, que percebamos também nós pelos olhos deles, esse oculto desvio que nos torceu a todos ao nascer e que espera, mordendo as unhas de impaciência, o dia em que possa mostrar-se e anunciar-se, Aqui estou."
In: O Homem Duplicado
30/06/2009
Um pouco de Cervantes
“O bom passadio, o regalo e o descanso inventaram-se para os cortesãos mimosos; mas o trabalho, o desassossego e as armas fizeram-se para aqueles que o mundo chama cavaleiros andantes, dos quais eu, ainda que indigno, sou um, e o mínimo de todos”.
Dom Quixote
25/04/2009
Para Raskólhnikov começou então uma época estranha, era como se uma bruma tivesse se erguido de repente diante dele, envolvendo-o numa solidão irrespirável e densa. Ao lembrar mais tarde esse tempo, percebeu como sua consciência estava escurecida, e como esse estado se prolongou, com leves intervalos, até que sobreveio a catástrofe definitiva. Estava firmemente convencido de que se enganara com em muitos pontos, por exemplo, na data e na duração de certos acontecimentos. (...) De maneira geral, naqueles últimos dias se esforçara para se convencer de que compreendia clara e plenamente a sua situação; certos fatos vulgares que necessitavam de uma elucidação imediata lhe causavam uma preocupação especial, mas, como ficaria contente se pudesse se libertar e evitar algumas preocupações cujo esquecimento, aliás, na sua situação, seria uma ameaça de realizada e irreparável rotina.
Dostoiévski in: Crime e castigo.
19/01/2009
Palavras para um geógrafo que não sabe ler mapas*
"A palma da minha mão é uma carta geográfica em que leio o desencontro de todos os caminhos que palmilhei até aqui, neste mundo que é um emaranhado de estradas e de rios que não levam a ponto algum, apesar de tantas tabuletas de Chegada e de Partida e de tantos portos atravancados de navios. Houve um chinês que disse, resumindo tudo numa frase de uma clareza meridiana e que no entanto desnorteia os ingênuos ledores de bússola e seus fiéis discípulos: O caminho que é um caminho não é o verdadeiro caminho. Eu, quando percebo que o meu caminho vem assinalado nos manuais de geografia ou nos tratados de filosofia de vinte shillings, trato logo de desviá-lo pra a esquerda ou para a direita, quando não simplesmente para as nuvens, tão certa é minha certeza de que o caminho aberto por outro não pode guiar meus passos de boêmio errante...."
Campos de Carvalho in: A lua vem da Ásia
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*Contribuição de Marcelo 16,5
13/08/2008
Friedrich Nietzsche define a alma alemã:
Um alemão que ousasse afirmar “Duas almas, oh! Habitam em meu peito” estaria bem longe da verdade, ou melhor, ficaria muitas almas aquém da verdade. (...) A alma alemã tem corredores e veredas em si, no seu interior existem cavernas, esconsos e masmorras; sua desordem tem muito de encanto do mistério; o alemão conhece os caminhos tortuosos para o caos. E como toda coisa ama seu símile, o alemão ama as nuvens e tudo que é turvo, cambiante, crepuscular, úmido e velado: todo tipo de coisa incerta, inacabada, evasiva, em crescimento. (...) O alemão mesmo não é, ele se torna, se desenvolve.
Acho que a minha é assim.
Um alemão que ousasse afirmar “Duas almas, oh! Habitam em meu peito” estaria bem longe da verdade, ou melhor, ficaria muitas almas aquém da verdade. (...) A alma alemã tem corredores e veredas em si, no seu interior existem cavernas, esconsos e masmorras; sua desordem tem muito de encanto do mistério; o alemão conhece os caminhos tortuosos para o caos. E como toda coisa ama seu símile, o alemão ama as nuvens e tudo que é turvo, cambiante, crepuscular, úmido e velado: todo tipo de coisa incerta, inacabada, evasiva, em crescimento. (...) O alemão mesmo não é, ele se torna, se desenvolve.
Acho que a minha é assim.
Ston
14/07/2008
Revirando a estante
Nós, seres humanos, somos infelizes. Nossos corpos adoecem e decaem, a natureza exterior nos ameaça com a destruição, nossas relações como os outros são fonte de infelicidade. Mas todos nós fazemos os mais desesperados esforços para escapar a tal infelicidade. O poder sobre a natureza não é o único pré-requisito para a felicidade humana, assim como não é o único objetivo dos esforços culturais. Não nos sentimos à vontade em nossa civilização atual.
Sigmund Freud
“O futuro de uma ilusão”, 1927
06/01/2008
Um pouco de Dostoiévski
¨
In: Noites Brancas
Por que há noites inteiras em que ele passa mergulhado em inesgotável alegria e venturosa satisfação, sem pensar em dormir, senão por um breve instante? E quando a amanhã torna a brilhar com matizes de rosa nos cristais da janela e os primeiros fulgores do dia penetram com sua luz indecisa e vaga no aposento, e o nosso sonhador, rendido e esgotado, se estende no leito e fica adormecido, por que tem então a sensação quase de morrer de pura felicidade, com todo o seu espírito morbidamente comovido, e com tudo isto, uma dor tão docemente penosa no coração? Sim, Nastenka; assim nos enganamos, e como estranhos cremos involuntariamente que uma paixão verdadeira, corporal, comove nossa alma. Involuntariamente cremos que em nossos incorpóreos sonhos há algo de vivo e palpável.
In: Noites Brancas
30/12/2007
“É um velho hábito, para afastar a tristeza e regular a circulação do sangue que percorre meu corpo. Sempre que sinto na boca uma amargura e a alma como se fosse um dia de novembro úmido e chuvoso; sempre que me pego involuntariamente parado diante de empresas funerárias ou a seguir involuntariamente pela rua os enterros que encontro, e especialmente sempre que minha hipocondria adquire tal domínio sobre mim que é preciso um sólido princípio moral para impedir-me de sair, deliberadamente, para a rua e, medicamente, surrar as pessoas, significa que é sempre chegado o momento de ir para o mar o mais depressa possível.”
Herman Melville
In: Moby Dick
In: Moby Dick
28/11/2007
Jangada de Pedra
“Mãe amorosa, a Europa afligiu-se com a sorte das suas terras extremas, a ocidente. Por toda a cordilheira pirenaica estalavam os granitos, multiplicavam-se as fendas, outras estradas apareceram cortadas, outros rios, regatos e torrentes mergulharam a fundo, para o invisível. Sobre os cumes cobertos de neve, vistos do ar, abria-se uma linha negra e rápida, como um rastilho de pólvora, para onde a neve escorregava, e desaparecia, com um rumor branco (...) Não podia força humana nada a favor duma cordilheira que se abria como uma romã, sem dor aparente, e apenas, quem somos nós para saber, porque amadurecera e chegara o seu tempo. (...) não era mais possível, do Atlântico ao Mediterrâneo, atravessar a fronteira a pé ou em veículos terrestres. E nas terras baixas do litoral, os mares, cada um de seu lado, começavam a entrar pelos canais, misteriosas gargantas, ignotas, cada vez mais altas, com aquelas paredes a pique, rigorosamente vertical do pendulo, o corte liso mostrando a disposição dos estratos arcaicos e modernos, as sinclinais, as intercalações argilosas, os conglomerados, as extensas lentilhas de calcários e de arenitos maciços, os leitos xistosos, as rochas silicosas e negras, os granitos e o mais que não seria possível acrescentar, por insuficiência do relator e falta de tempo.”
José Saramago
José Saramago
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