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11/09/2010

Tanto amar

Hoje tive muitas saudades de amores, cheiros e sabores. “Sei que há léguas a nos separar/ Tanto mar, tanto mar/ Sei, também, quanto é preciso, pá/ Navegar, navegar/ Canta primavera, pá/ Cá estou carente/ Manda novamente/ Algum cheirinho de alecrim”*. Sinto tanta falta do arroz com pequi, colhido por mim mesmo, no cerrado de São José do Buriti. Sinto falta do cheiro de mato queimado. O cupuaçu e a graviola de Xinguara, com suas empoeiradas ruas. O cheiro da feira de domingo e da Feirinha da Lua. Os cajus e as cajuinas de Fortaleza. Falta-me as tapiocas de Sobral. É tanta gente amada que está longe. Parte de mim sente falta de amados em Presidente Prudente, em Guaxupé, em Londres, em Montes Claros. Minha saudade se perde nas veredas de Redenção, de Mogi Mirim, de Teresópolis, de São Félix do Araguaia, na desbundância de Rio e de São Paulo. As pessoas amadas nem são tantas assim, mas o correr da vida as leva, as deixa ou a coloca onde nem minha vista nem minha voz alcançam. Só minha saudade.
*[Chico Buarque. Tanto Mar]
stoN

30/08/2010

Vão de amar

"Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar"

Com muita emoção recebi hoje telefonema de doce amigo com quem há tempos não falava. Fiquei feliz pelos deliciosos minutos de partilha da vida, de sonhos e de perrengues. Há tanta verdade em Guimarães Rosa quando fala dos encontros e desencontros das veredas da vida. E é tão bom, e absolutamente fundamentais, esses momentos de sintonia nesse processo de busca eterna. A amizade é nosso único e verdadeiro legado.
stoN

27/08/2010

Nots

Acordei meio do avesso, com vontade de ouvir estática em vez de música, ir trabalhar e não passear; almoçar salada de rúcula e brócolis e não comer empada de camarão com coca cola. Tô preferindo ir ao banco a ficar de papo pro ar em casa. Se bobear, hoje prefiro ir a São Paulo, na Baixada do Glicério a ir pro Dragão do Mar em Fortaleza.

stoN

20/08/2010

Para um amor no Nordeste

Um pouco de ressaca, numa manhã de sexta, dignifica a semana. Sobretudo depois de uma noite com muita música boa e amor pra mais de mar da Praia de Iracema.
Tanto mar, tanto amar...
stoN

13/08/2010

Livro de receitas


Quando chegou ao saguão do aeroporto a cabeça já havia parado de doer. Nunca havia sentido uma dor tão aguda e o fato de estar em pleno vôo o incomodou demais. Por certo foi algo que comeu no aeroporto. Peixe morre pela boca, diziam. Ainda bem que peixe não voa. Passou em uma livraria e comprou um livro de receitas para Anna. A noiva adora cozinhar e a foto na capa pareceu tão apetitosa quanto o título insinuava: “Delícias de Minas”. Ao subir o último lance de escada no prédio onde moravam, Aloisio se deu conta de que, pela primeira vez em quatro anos, a vizinha não estava ouvindo música de forma ensurdecedora. Deveria ser um bom presságio. Quando entrou em casa Anna não estava. Havia levado todas as coisas e deixado um bilhete: “Você, como sempre, demorou demais a voltar”. Ele nunca mais quis comer frango com quiabo.

stoN

19/02/2010

Estou fazendo pequena obra em casa, como todas, trabalhosa e dispendiosa. São milhares de detalhes completamente estranhos ao meu parco e tosco universo de conhecimento: buchas, redutores, válvulas, registros e argamassas. E no meio dessa suja confusão deparo-me com uma filosófica e fundamental questão: Areia se mede em m³, como diabos isso é feito?
stoN

06/02/2010

Mais do mesmo

Vieira acordou cedo e nem deu tempo de passar na padaria para tomar o cafezinho habitual. Hoje não terá a lembrança do sorriso discreto de Neuza para lhe distrair durante o dia. A vida deve ser assim mesmo: nem sempre é como a gente quer. Fumou o último cigarro do maço assim que bateu o cartão. Quando ligou a máquina na tornearia, lembrou-se que, na correria, havia deixado o rádio ligado. A conta de energia só faz subir e ele ainda dá uma dessa? Essa preocupação substitui a lembrança do sorriso da mulata o dia todo. Nem tudo é como a gente quer mesmo.
stoN

28/07/2009

Sandrinha acordou bastante cedo no domingo, adiantou os afazeres do almoço e deu-se ao direito de passar na barraca de Tonha e comer um acarajé depois da missa. A manhã era de uma luminosidade intensa, com um calor sufocante como só a Cidade da Bahia pode ter. Havia tempo que não se falavam e Tonha lhe contou meio mundo de coisas da vida de Arlindo. Sandrinha sentia muita falta dele ainda. Ela ficou triste e voltou pra casa querendo esquecer tudo. Não deu tempo. Briga no bar de Seu Onofre, aquele que fica na esquina da casa de Sandrinha. Gente que passou a noite bebendo e se desentendeu por coisa pouca. Teve muito tiro justo na hora que Sandrinha chegava com o coentro e a galinha. Ela nem teve tempo de esquecer, morreu chorando, mas não era do ferimento da bala não.
stoN

31/05/2009

Na correria, acabou queimando o céu da boca com o café. Percebeu isso quando já estava no táxi, a caminho do aeroporto. Tudo foi cansativo e, ao mesmo tempo, muito animador naquele dia. Nove horas e quase três mil quilômetros depois, ele estava livre de um monte de coisas e disposto a começar nova vida. Tudo, finalmente, seria realmente novo: trabalho, casa, estado, amigos. Demorou quase uma semana para os amigos e parentes receberem a notícia de que, num acidente de carro, ele havia morrido. Ninguém soube que ele havia queimado a boca com o café da padaria da esquina no mesmo dia em que morrera. “Estranho alguém ir morrer tão longe”, encasquetou Sofia.
stoN

17/05/2009

A aula estava chata, Manuela não se sentia à vontade com os colegas de classe. Muito menos com o professor e com o curso. Ela se questiona se alguma vez esteve à vontade diante da vida. Saiu do campus quando ainda havia luz no quase frio fim de tarde de outono. Sentia-se estranhamente dividida e com vontade de mudança: Pintar o cabelo, morar em outro bairro ou desistir da arquitetura. Qualquer coisa seria melhor do que continuar do mesmo jeito. Manuela chegou em casa e colocou água para um chá. Ajudaria a descansar. Passou a noite toda pensando no que e em como ela mudaria. O cansaço fez com que caísse logo em profundo sono. No dia seguinte, quando deu por si, já estava no escritório se preparando para mais um dia de trabalho. Nada mudou. Nem mesmo marcara hora no cabeleireiro.
stoN

13/05/2009

seu beijo

Atirei-me sobre o seu corpo languidamente estendido na cama e com sofreguidão tomei sua boca entreaberta. Busquei sua língua como se minha fosse, querendo trazê-la a mim e oferecendo a minha em troca. Não houve tempo, nem vontade, tampouco motivo para interromper a o pretexto do desejo, ainda que aquela trepada representasse um insólito retrocesso no que nós dois havíamos conquistado em respeito e em amor próprio. Foi bom. Apaguei seu número de minha agenda e ele nunca mais me ligou. Às vezes, ainda tenho saudade do jeito estranho com que ele se mostrava interessado em me beijar.
stoN

07/05/2009

com H

Estava de batom e com os cabelos presos. Percebi que tudo aquilo era importante para ela. Admirá-la passou para um patamar mais sólido. Pareceu-me um tanto frágil e substancialmente devotada. O seu olhar chegou perto de me emocionar, me enternecer. Tive medo...
stoN

03/05/2009

A espera de um filósofo

Tomei um capuccino italiano no tempo suficiente de uma espera. Tocava jazz e, para além do entra e sai de gente metida à besta na cafeteria, sobrava expectativa de saber um pouco mais de ti. Assaltou-me uma saudade, um tanto descabida, de um tanto de coisas não vividas e sentidas. Deve ser mais uma manifestação esdrúxula de “nostalgia da modernidade”.
stoN

05/04/2009

Pequenas bobagens
ou
Aquele que trata da cretinice com parcimônia

Quando ainda havia paixão era mais fácil passar por cima do seu egoísmo exacerbado. Amainado o furor da querência, nem a pose clichê, que tinha certo charme outrora, faz sentido ou graça agora. Era uma pequena bobagem, só isso. O que ressalta ainda em ti, única e tão somente, é mesmo a postura interesseira e aproveitadora, tentando sugar um pouco, por mínimo que seja, do que a situação ainda pode oferecer de benefício pessoal. É puro vampirismo. E é pouco, muito pouco.
As máscaras vão caindo uma a uma, sobrando um monte de mentiras toscas, doentias e descaradas. Hodierno é tão costumeiro você se fazer de sonso que me enfaro de indolência. Era uma pequena bobagem. E eu, roto e desfigurado, insatisfeito no meu não menos egocêntrico território salpicado de defeitos cintilantes, consigo, ao menos, me cercar de temperos e novidades de alcova. Murado de rancor, vergonha e arrependimento de um dia ter posto as vistas em ti, tenho pelo menos o quinhão de minha culpa: fui negligente diante de suas irrefutáveis e recorrentes demonstrações de mau-caratismo.
stoN

26/03/2009

Sentiu o cheiro forte, mesmo antes de abrir a porta. Quando conseguiu chegar até o quarto, já muito atordoado por pressentir a putrefação cadavérica, quase desmaiou. Teve um pensamento besta: a podridão humana é pior do que a do composto orgânico no aterro sanitário onde trabalha. Sílvio teve medo de não suportar a avalanche de coisas chatas que viriam a seguir. Quis morrer também.
Olhando para a mãe no caixão, lembrou-se de como gosta de usar a caneta até o fim, até que ela fique totalmente transparente, sem tinta. Foi mais um pensamento besta.
stoN

26/02/2009

O lance de degraus que levava até o terceiro andar rangeu como num filme de terror de quinta. Suzane achou engraçado que alguém morasse em um prédio tão velho e sujo. Tudo em Alfredo era engraçado, velho ou sujo. Vasculhou em qual parte da história dos dois havia deixado de amar o doce cara que tinha planos estranhos e um curioso corte de cabelo. Deve ter sido quando ela deixou de se preocupar com manchas no tapete e abandonou de vez a obsessão asséptica que só uma libriana pode ter. Ou então quando ela parou de acreditar no zodíaco. Alfredo a recebeu com a mesma cara boa de sempre. Fizeram macarrão com molho branco, assistiram jornal e treparam. Ele queria que ela dormisse, mas Suzane preferiu chamar um táxi. Nunca gostou de dormir com taurinos.
stoN

10/02/2009

Solange veio a mim de uma forma tão abrupta e intensa que não tive fôlego, sossego nem perspicácia suficientes para mais do que três meses na cama dela. Nunca deixei que viesse até a minha. Era do tipo de mulher que nunca se deve deixar que invada o seu reino. É preciso montar barricadas, deitar pólvora nos mosquetes, soltar mais crocodilos no fosso, chegar fervura aos tachos de azeite. Caso Solange chegasse um pouco mais perto, provavelmente, hoje eu estaria menos tenso, mais teso. Em finais de verão com muita chuva sinto saudade dela. Sinto falta do modo, bem perto da crueldade, com o qual ela me fazia tomar uma garrafa inteira de vodca. Solange me ligava no meio da madrugada. Hoje em dia eu não tenho mais telefone.
stoN

24/01/2009

O sorvete derreteu, até o completo fim, e você não me trouxe o seu sorriso. Será que cheguei tarde ou já era tempo de muito verão. Esse calor todo vem é de você? Tarde demais pra tentar descobrir. Tenho certeza que perdi a vez, o tempo, o trem da história e sei que você continuará linda, como naquele dia em que te beijei de olho aberto, na Avenida Paraná. O seu ônibus veio e você foi. Agora você vai de novo e, de novo, eu fico sem saber o que fazer, até o completo fim.
stoN

17/01/2009

Quando Dora, depois de tanto tempo, ouviu a voz de Léo, sentiu como se algo muito bom e pesado se acomodasse dentro dela. Uma espécie de movimento tectônico visceral que a fez se lembrar de como era bom trepar com ele. É uma saudade geológica, pensou. No resto da noite tudo correu como se poderia esperar numa situação daquelas: as amigas falantes e bêbadas discutindo coisas do trabalho e de suas relações quase sempre patéticas e frustradas, os caras tentando parecer atraentes também com patéticos e frustrados desempenhos. Dora se manteve bem humorada a noite toda, o sorriso de Léo já era mais do que suficiente para mantê-la assim por dias. Teve vontade de ir atrás dele quando se levantou pra ir ao banheiro, mas conteve-se. O cretino, por certo, imagina que ela ainda é apaixonada por ele, mas ele não sabe o que é uma saudade geológica de trepada. Só as mulheres o sabem e os geólogos, por um deturpado instinto técnico, que nada tem de sexual, timidamente vislumbram o que são esses soerguimentos, abatimentos e glaciações internos dos quais o sexo, e a saudade dele, são capazes.
stoN

13/12/2008

Aos pares, como se enviados por uma divindade, saíram do prédio. A noite debruçava-se sobre tudo. Gabriel teve certeza de que seu companheiro não o ajudaria muito na missão daquela noite. Era um novato com cara de leitor do Tchechov e fã do Woody Allen. Tentou se concentrar no trabalho, confiar no parceiro. Teve progresso, mas as palavras de Beatriz, ditas na noite anterior, reverberavam: “Gabriel, quando você vai tomar as rédeas das coisas?”
Gabriel é a mistura exata de um poema do Leminski com uma personagem do Tarantino. Beatriz também percebe nele umas coisas de Almodovar e é isso que a fez se apaixonar perdidamente por ele.
A despeito das desconfianças de Gabriel, a noite correu como o previsto no planejamento. Ele deixou o companheiro perto do metrô e voltou pra casa decidido a tomar as rédeas de tudo. Beatriz se orgulharia dele.
Ela foi a primeira a morrer com um tiro certeiro na testa, depois de ter gozado bastante embaixo do corpo muito bem delineado de Gabriel. Sentado na cama para fumar um cigarro, tomando cuidado para não sujar a cueca branca de sangue, ele observa a mão que segura o cigarro. A mesma que disparou o tiro que deu início ao seu despertar. Um amigo sempre elogia a beleza de suas mãos. Ele será o próximo. Gabriel foi tomar banho e se masturbou.
stoN