30/07/2008

Meu maior problema é ser jovem e lindo. É porque nunca fui jovem e lindo. Já fui lindo, e jovem, mas nunca ao mesmo tempo. Ninguém repararia mesmo. Um amigo psicólogo acha ser esse o motivo da minha atração por homens descritos como velhos e feios. Acho que ele me subestima. Uma pessoa feia só tem problema com uma bonita. Mas uma bonita consegue ao menos que a feia lhe pague o táxi.
Já caí por um rosto bonito, mas quando a sorte está lançada prefiro me garantir. Quando as luzes se apagam é festa ou fome. O problema é o dia seguinte. A alegria de algo belo acaba ao amanhecer. Há outro grupo perigoso: os casos perdidos. Dividem-se em três categorias: casados, transas de fim de semana e heterossexuais convictos. São os piores. Você entra de olhos abertos, aceitando as limitações. Quando vê está acendendo velas pretas à meia noite. E pergunta-se: “o que houve?”. Vou dizer, conseguiu o que procurava. Quem acha que sabe lidar com um caso perdido é quem sustenta os editores de romances baratos. (...)
Para quem quer se divertir sou um artista. O que sobrou de um. (...)
Sou de uma raça em extinção. Quando os gays ganharem direitos civis, seremos varridos para debaixo do tapete. Como os negros em “Aunt Jemina”. Tudo bem. Com esse rosto e voz, não me preocupo. Posso ser taxista. Há coisas melhores do que ser um travesti, mas não tenho escolha. Por mais que eu tente, não consigo usar sapatos sem salto. (...)
Sabe, dormi com mais homens do que os nomes da Bíblia. Velho e novo testamento, mas nenhum disse “Arnold, eu te amo”, que fosse sincero. E eu me pergunto: isso o incomoda? A única resposta honesta é sim. Incomoda! Incomoda muito! Mas não o suficiente.

Nova York, 1971
Arnold Beckoft

“Essa estranha atração”

29/07/2008

Ouvi o barulho da panela de pressão. Cheiro de milho veio depois. Faltava ouvir a Rádio Itatiaia e o som de minha mãe esfregando roupa pro cenário completo se formar. Carpir sonhos em tardes pachorrentas. Tão pachorrentas quanto um pátio de manutenção ferroviária: “Se você não quer aparecer, não deixe que o fato aconteça”...

28/07/2008

FRED LEVA JEITO XVII


O primo sarado que mora em Brasília veio passar as férias na casa de Fred. Todas as amigas do nosso herói ficaram alvoroçadas quando viram o primo no clube. Na volta pra casa, emburrado, Fred pergunta:
- Você não acha que essas meninas são todas fáceis demais?
Quando desci do trem esperei a gente apressada, faminta nuvem de gafanhotos, se dissipar. Tenho tido tanto cansaço que nem sei. Não sei se quero continuar o tratamento odontológico, se ainda sou não-fumante, se continuar lendo tanto vale à pena. Nem sei se quero continuar solteiro, se busco novo emprego ou se compro mesmo um computador portátil. É um cansaço da vida, da existência. Tô de saco cheio das letras, dos sabores, dos cheiros da pele humana. Não agüento mais o gosto das salivas. Eu preciso voltar pra caverna. Nem sei se quero, nem sei se penso. Nem sei. Nem.

27/07/2008

Pornô Grafia I

Tateando
Os seios
Da Taty
Ando
Ston

Pornô Grafia II

Tem gente que assume mesmo o que faz. Centro do Rio. Foto: Beth

26/07/2008

FRED LEVA JEITO XVI

Jana liga pra Solange, a prima de Fred, na tarde de um enfadonho sábado.
- Você e meu primo não ficaram até hoje?
- Menina, eu já dei muita bola, mas não rolou.
- Insiste mais, ele é gatinho!
- Sol, todo mundo diz que o Fred leva jeito...
- Então por que você não fica comigo pra fazer ciúme nele?

25/07/2008

Fanatismo


Florbela Espanca

Minh' alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver
Não és sequer a razão do meu viver
pois que tu és já toda minha vida
Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história, tantas vezes lida!
“Tudo no mundo é frágil, tudo passa...”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina, fala em mim!
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como um deus: princípio e fim!”...

24/07/2008

Que a terra lhe seja leve


Hoje terminei o velório. Finalmente baixei o féretro na escura e úmida cova, donde, debaixo da pá de cal, jamais emergirá. Foi longa demais a vigília, durou o tempo de uma florada, duma hibernação, de uma circunavegação. Era uma dor abissal, carregada da mais arcaica ancestralidade. Minha alma, constantemente ao lado do ataúde, carpideira insólita, viúva austera e histérica, chorou a cântaros esse tempo todo, até não ter mais lágrima para verter. E eu, defunto, enterrei um amor.
Ston

FRED LEVA JEITO XV

A rave promovida por Fred bombou. Todo mundo elogiou e os amigos ligaram já pedindo uma próxima. Ele está pensando em virar promoter, só não consegue se lembrar de quantas pessoas ele beijou na festa, muito menos de que sexo eram elas. “Acho que os promoters não se preocupam com detalhes como este”, pensou.

23/07/2008

Caco Galhardo

21/07/2008

Trinta anos

Quero ser homenino
E o indelével tempo me assola
Espero que ao menos ele me garanta
Uma digna velhice
Com ipês e muita cachaça boa
Se não tiver os ipês
Que não me falte a cana
Que já tenho trinta anos
E sem combustível
Não vive a alma

20/07/2008

FRED LEVA JEITO XIV

Muito feliz com o seu novo par de tênis, Fred passou na repartição onde o pai trabalha para entregar um documento. Sr. Augusto, chefe do pai de Fred, por mais que achasse estranho, não quis perguntar ao subordinado se o filho fazia a sobrancelha. Já custo a dar conta dos seus próprios filhos, pensou Augusto enquanto Fred passava rumo ao elevador.

Ele não morreu

18/07/2008

Livro


Em abril
Abri
A brisa

De epígrafe
A epílogo
Fechei-me.

FRED LEVA JEITO XIII


A matrícula no curso de francês é o mesmo valor do tênis que Fred quer comprar há meses. Foi se aconselhar com Jana.
_ Você prefere ser culto ou ser fashion? Homens cultos conquistam mais mulheres do que os fashions...
Fred agora já não tem mais dúvidas.
As vozes se calaram um pouco. Desde ontem de noite estão mudas. Já não agüentava mais elas me ordenarem coisas. Coisas feias que eu não quero fazer. Se elas voltarem a falar as farei calar com uma dinamite ou com a energia de uma antena parabólica, de um satélite. Vou comprar um satélite de calar vozes na cabeça. O que você faz quando as vozes começam a dar ordens em sua cabeça?

16/07/2008

Li hoje uma passagem do Raduan Nassar que é perfeita: “Desde minha fuga, era calando minha revolta (tinha contundência o meu silêncio! Tinha textura a minha raiva!) que eu, a cada passo, me distanciava lá da fazenda, e se acaso distraído eu perguntasse ‘para onde estamos indo’? Não importava que eu, erguendo os olhos, alcançasse paisagens muito novas, quem sabe menos ásperas, não importava que eu, caminhando, me conduzisse para regiões cada vez mais afastadas, pois haveria de ouvir claramente de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso rigoroso, desprovido de qualquer dúvida: ‘estamos indo sempre pra casa’.”* Emocionei-me com o texto, com a intensidade que beira a crueldade em Nassar e lembrei-me de José Afonso, pai amoroso de minha amiga Marisa. Agora, já na velhice, o belo negro chora pesarosamente o fato de não enxergar mais, contando à Marisa o quanto isso lhe dói. A vida toda ele foi dado à leitura e hoje está privado desse prazer. Que bom que tenho olhos pra Raduan e pra tantos outros.
*In: Lavoura Arcaica

15/07/2008

Cautela com os que dão grande valor a que se confie no seu tato moral, na sutileza de sua discriminação moral! Não nos perdoam jamais, quando se equivocam em nossa presença (ou a nosso respeito) – irremediavelmente se tornarão nossos caluniadores e detratores instintivos, mesmo se continuam nossos “amigos”. Bem aventurados os que esquecem: pois “darão conta” também de suas tolices.
Friedrich Nietzsche

Quem me compra as insones noites?

Tanto as de cachaça quanto as de preocupação?

Quem dá mais?

14/07/2008

Revirando a estante

Nós, seres humanos, somos infelizes. Nossos corpos adoecem e decaem, a natureza exterior nos ameaça com a destruição, nossas relações como os outros são fonte de infelicidade. Mas todos nós fazemos os mais desesperados esforços para escapar a tal infelicidade. O poder sobre a natureza não é o único pré-requisito para a felicidade humana, assim como não é o único objetivo dos esforços culturais. Não nos sentimos à vontade em nossa civilização atual.
Sigmund Freud
O futuro de uma ilusão”, 1927

FRED LEVA JEITO XII

O atendente interrompeu seus pensamentos e ele escolheu o de nozes com calda de chocolate. Relutou mas não conseguiu evitar reparar nos bíceps do rapaz. O pensamento veio de chofre: Será que ele gosta de jazz? Fred afugentou a idéia de puxar assunto com o moço e correu pra casa de Jana.

13/07/2008

A Cheese Map of Canada

'

Quem mais leva jeito ou quem leva mais jeito

Fred Leva Jeito tem feito considerável sucesso no blog. Tímidos em comentar nas postagens, muitos tem acompanhado a saga de nosso herói na difícil tarefa de sobreviver e se auto-afirmar no perverso mundo contemporâneo. “Mundo, mundo, vasto mundo...”
Ando percebendo coisas, no mínimo, interessantes e pertinentes em meus amigos. Se por um lado é a mais absoluta verdade que o Fred leva jeito, por outro, não é mentira que dentre os leitores está o moço que tem uma fixação estranha pelo Samuel Rosa; o outro que tem assumido uma súbita vocação pra estilismo e moda; que falta virilidade num terceiro... Fica-me a questão: Será que eu levo jeito ou trago jeito?

12/07/2008

FRED LEVA JEITO XI

Janaína, linda moça que trabalha no café mais “in” do bairro mais descolado e que tem o seu próprio carro declarou-se afim de Fred. Ele ficou orgulhoso, mas ainda não deu resposta a sua amiga Jana. É que pega-lhe a questão: Será que ela entende minimamente de jazz?
Puta que pariu! Fazia tempo não acordava numa manhã de sábado com um "puta que pariu" na cabeça. Acordei cedo. O dia está tão lindo e bucólico que nem a pitoresca e épica companhia de Herman Melville me segurou na cama. Talvez eu finalmente conserte aquele cano do tanque que vaza desde o mesozóico inferior. A existência parece melhor e mais suportável quando eu consigo dar conta dos pequenos afazeres domésticos. Trocar uma lâmpada é uma vitória para um sujeito preguiçoso feito eu. Hoje parece que tudo dará certo. Deu-me até vontade de fumar um cigarro de palha depois dum bom café amargo. Os dias que começam com um "puta que pariu" são os melhores, definitivamente.

08/07/2008

Lilla Downs

FRED LEVA JEITO X

- Bruno, você irá ao Mercado Mundo Mix hoje?
- Ainda não sei. Tenho pouca grana.
- Bora, moço! Todo mundo vai: a Pri, a Lud, a Gi, a Fê...
- Não vai ninguém inteiro não, Fred?

07/07/2008

FRED LEVA JEITO IX


O menino, diante do espelho, acha estranho que tantas pessoas pensem que ele seja gay. Deve ser por causa do seu signo. Na verdade as pessoas não estão acostumadas com educação e bom gosto em homens. Sua mãe invade o quarto interrompendo os pensamentos e o ajeitar criterioso do cabelo. Ele já desistira de ensinar bons modos a essa gente que se denomina sua família. Ainda bem que ele já estava vestido. Ela não entenderia a sunga florida da Rosa Chá e o piercing no mamilo esquerdo.

06/07/2008



"Essa hora da gente ir-se embora é doída

Como é dolorida,

Eu, a viola e Deus"
'
Rolando Boldrin

04/07/2008

Verborragia

Daí eu peguei, virei e falei...
Outro dia um amigo disse-me: “Tenho que prestar mais atenção nas pessoas da cintura pra cima.”. Passei a admirá-lo mais ainda, muito mais em função da sua sinceridade e da identificação que tive com ele do que pelo seu desejo de mudança.

02/07/2008

Confesso-me literariamente preconceituoso. Não dou a muito crédito para alguém que leva um Dan Brown debaixo do braço. Meu interesse por alguém diminui imensamente quando a figura confessa (o que merece julgamento e pena prevista no código civil) que é leitora assídua do Paulo Coelho, Agatha Christie ou coisa que os valham. E o tal defeito é muito restrito à literatura. Já convivi, amistosa e intimamente, com fã de Perla, mas com um leitor de Zíbia Gaspareto eu não daria conta. Todos temos limites, confesso esse meu: sou preconceituoso.

Pastel de Queijo


Guardou numa gaveta rasa o cd de música irlandesa tradicional que comprara na véspera. Manuela deixou de ir à missa para apanhar a roupa no varal. A mãe suspeitou de que ela tramava algo, pois nem de longe ameaçava chover. Ouvindo “Me and Ms John” no MP3 a moça recolheu toda a roupa lavada no dia anterior. Deliciando-se com o cheiro do amaciante de lavanda, dobrou-as cuidadosamente, peça por peça, no cesto.
Ninguém na família ou no planeta entenderia que, naquele domingo, uma mudança radical aconteceu em sua vida. Naquela data específica, Manuela assumia um novo rumo em sua vida. Ela não era mais católica, abandonaria o curso de pedagogia, desistiria do emprego de secretária na funerária e com o acerto compraria uma máquina de churros.
Com um vasto sorriso, o mais livre dos sorrisos, guardou o cesto de roupas e foi à padaria. A mãe teria uma crise de nervos, mas ela estava decidida a fazer pastel de queijo no almoço.

01/07/2008

Perdido numa noite suja


A urbe já!
Sem demora
Ágora!
Quero agora