03/04/2008

O pensamento

O cheiro do alho e da cebola fritos no azeite fez doer de fome o estômago de Alfredo. O prazer doce de assistir tv, tomar cerveja e ouvir e sentir o almoço sendo preparado era uma grande satisfação no início de tarde. Na cozinha, Dona Cleuza abaixou-se para pegar o caldo de galinha no armário. As costas doíam. Fazia tempo que ela já não era mais aquela “flor viçosa” que Alfredo descrevia em poemas suburbanos, cheios de suspiros e floreios. Os suspiros agora são apenas de saudade e de cansaço. Não havia mais caldo e a porta do armário despencou. Nem tentou arrumar.

_ Frêdo, olhe esse molho enquanto busco um troço no mercadinho da esquina.

Ele fingiu não ter ouvido. Ela saiu e nem reparou onde caíra o avental.
Dona Cleuza nem pensava mais no mercadinho e andava descompromissada e sem rumo. Quando deu por si, já havia entrado no ônibus. As ruas passavam por ela e as portas das lojas e os portões das casas pareciam acusá-la de velhice, de insanidade, de cheirar a cebola, mas ela não pensava nisso. Não queria pensar em nada.

Desceu no ponto próximo ao baixo meretrício e nunca mais voltou pra casa. Ela não pensou em nada. Seu primeiro cliente ainda pôde sentir o cheirinho de tempero caseiro em suas mãos e em suas roupas. Foi consolador, ele se lembrou do colo da mãe, no interior da Bahia. E ela teve o seu primeiro orgasmo.

Dona Cleuza, mesmo depois de anos, não pensa no que fez ou no que deixou de fazer. Nem mesmo no moço bonito, de olhar penetrante que sempre a observa do ônibus. Ele sabe que ela é puta, mas Dona Cleuza preferiu não pensar nisso.

2 comentários:

Écio Júnior disse...

Em gratidão, por um mísero momento, a todos os momentos bons que elas nos proporcionam vou gravar essas palavras nos olhos para levar às Cleusas.

Ston disse...

My Little Dilan, elas sempre merecem nossa gratidão...